segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Os intocáveis - Viva Driss!

Se eu pudesse escolher uma coisa para fazer nas horas vagas, apontaria sem titubear: ir ao cinema. Sou simplesmente fascinada pela sala escura, meu quintal de casa, onde aposento a vaidade, ignoro conhecidos, esqueço a maquiagem e, às vezes, assumo a carioquice com minhas havaianas.

Não tenho regras para ir ao cinema, vou sempre que me der na telha, uma, duas, três vezes por semana. Às vezes, não gosto de ler nada sobre o filme para evitar ser contaminada pelo olhar crítico dos outros. Frequentemente, chego a conclusão que sou fã do cinema francês. Sem parecer pedante, conhecedora, cinéfila, mas praticamente todos os últimos bons filmes que assisti vieram da França. Assim, acabo sendo convencida logo que estreia um filme daquela terra.

Entretanto, não costumo gostar do gênero "comédia". Tenho o receio de me deparar com um humor pastelão. "Os intocáveis" era descrito como comédia, o que já ganhara minha desconfiança. Porém, não tinha lido mais nada a respeito. Caí, no domingo à noite, na sala de cinema de paraquedas. Era o horário possível, próximo a minha casa, em um domingo entediante e abafado. Pronto, ali iria passar minha hora vaga.

Para me animar antes da sessão, minha irmã chegou a dizer que o tema me interessaria, pois tratava do problema social vivido por Driss, um imigrante vindo do Senegal, ex-presidiário, e morador do banlieue parisiense. Dramática assumida, imaginei uma espécie de "As neves de Kilimanjaro" 2, e adorei a ideia.

Estava completamente errada na minha previsão, comparação absurda. "Os intocáveis" não é dramático. É Driss, colorido, simpático, impulsivo, aberto, politicamente incorreto, pragmático e, no tempo que sobra, sensível. A comédia não é forçada: nada de piadas prontas, diálogos manjados e, ao mesmo tempo, nada de extraordinário: um roteiro simples, com poucos personagens, mas todos grandiosos. A tela é toda do Driss, o senegalês, francês, metido a moralista, com princípios, humor sedutor, sorriso esplendoroso. Eu, que costumo estudar e ver o tema de imigração com uma carga pesada, me surpreendi ainda mais com esse personagem. Ele não representa as dificuldades dos imigrantes na Europa, ele não transparece os problemas e angústias dos seres humanos no mundo: ele é a solução para tanto drama. A partir de agora, virei fã assumida de comédias.

domingo, 21 de outubro de 2012

Sonhando em polonês

Nem em sonho
imaginava visitar
a Polônia

Mas na madrugada
de domingo
estava eu achada
nas Montanhas Tatra.
Sabia muito mais
sobre a terra
do que imaginava
antes se restringir
ao Pacto de Varsóvia

Acordava para o mundo
dos polacos.
Ali, estava em casa,
no país gélido em meados
do inverno fevereiro.

A minha cama
não existia,
falava uma língua
que nunca tinha ouvido.
Tentava a sorte com o inglês,
pois ninguém do outro lado
do quarto, em plena noite sombria,
além de mim,
se comunicava em polonês.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Uma reflexão pelo fim do trote


É impossível participar de todas as lutas e defender todas bandeiras que gostaria. Também sou incapaz de brigar pela transformação de tantos atos e hábitos perversos da humanidade... aliás, são tantos estes, que, muitos acabam passando por despercebido. Porém, um veio à tona hoje de manhã: deparei-me com um desabafo de um grande mestre sobre o hábito do trote estudantil. Este professor, que marcou minha vida acadêmica, questionava o fato de ver os "calouros" nas ruas pedindo dinheiro, chamando a atenção para os "dias difíceis". Fui pesquisar e encontrei a seguinte descrição: "trote" possui correspondentes em vários idiomas, como trote (espanhol), trotto(italiano), trot (francês), trot (inglês) e trotten (alemão). Em todos estes idiomas, o termo se refere a uma certa forma de se movimentar dos cavalos, uma andadura que se situa entre o passo e o galope. Todavia, deve ser lembrado que o trote não é uma andadura normal e habitual do cavalo, mas algo que deve ser ensinado a ele (muitas vezes à base de chicotadas e esporadas)

Neste momento, refleti sobre o quanto essa tradição de ingresso na vida universitária pode ser perversa para os jovens e adultos. Passei por três graduações em diferentes universidades, assim, presenciei - também - três semanas de calouro. Em todas as faculdades - UERJ, PUC-Rio e UFRJ - fui testemunha das semanas de "calouro". Lembro que a primeira vez que pisei em uma sala de aula, na UERJ, já temia o tão falado trote, pois amigos e familiares já haviam me prevenido sobre as brincadeiras, competições etc. Eu, tímida, como era, cheguei atrasada propositalmente para ver se conseguia fugir desta prova de fogo, mas, assim que fui reconhecida como novata na área, fui eleita a "caloura patricinha" e tive que fazer uma declaração de amor a um veterano, além de pressionada a beijá-lo (claro que me recusei!). Aquilo foi tão constrangedor, que, simplesmente, resolvi apagar da minha memória por um tempo. No entanto, hoje, essa indignação que senti no primeiro dia do curso de Ciências Sociais voltou com toda a força. Os gritos dos “poderosos veteranos” de beija-beija e as gargalhadas de todos ao redor encheram o meu coração de revolta. No período, a timidez me impediu de expor essa história, mas hoje faço um apelo para que as pessoas reflitam sobre o sentido do trote.

Muitos já tentaram me convencer que é uma brincadeira, que ninguém é obrigado a participar, que serve apenas como social, que “os melhores amigos da faculdade são conhecidos no trote”... Enfim, nenhum destes argumentos conseguiu me convencer. Na PUC-Rio, no ano que entrei, o trote não foi tão “pesado”, pois o reitor havia proibido o hábito depois de um aluno passar mal durante a “semana da calourada” do curso de Engenharia. Mesmo assim, lembro de ter presenciado a cena de uma veterana jogando tinta no “cofrinho” de uma caloura desatenta.

Seis anos depois, na última (espero eu!) graduação, de Direito na UFRJ, simplesmente não apareci na primeira semana de aula. Imaginei que os dias de trote seriam os mesmos que já conhecia. As brincadeiras de “choquete”, de expor a lingerie por cima da roupa, colocar a camisinha em uma banana, além dos “tradicionais” banhos de tinta e pedido de dinheiro na rua – de fato – permanecem como tradição no trote. Os colegas de classe relataram as histórias, muitos achando graça, outros com constrangimento. Uma das meninas, por ser considerada bonita pela veterana, foi perseguida e apelidada de forma machista.

O tempo passou, o local de estudo mudou, o curso é outro, mas o mau-gosto e desrespeito com os estudantes continuam. O pior de tudo: a prática é propagada pelas próprias vítimas das brincadeiras. A mesma pessoa que, um dia, é levada em coma alcoólico para o hospital após as provas, está, no período seguinte, comandando a comissão de trote. Os outros incomodados, como eu, acabam se calando. Assim, depois de anos de silêncio sobre o assunto, e, alguma experiência nas costas, peço a todos uma reflexão sobre este ritual de inserção no meio acadêmico. Será que não existe outra forma de se integrar na universidade? O que seria essa “social”, onde uns são considerados melhores e piores do que os outros, a humilhação é regra, assim como a banalização da sexualidade e o desrespeito com as mulheres? Quem não aceita o rótulo de calouro é taxado como antissocial e arrogante porque não está disposto a obedecer às ordens de outro estudante que está com a “pulseira” de organização do trote e ainda é ameaçado a “ser marcado na faculdade” e ser proibido de ir em todas as chopadas. Para mim, seria um alívio não ser nem convidada para este tipo de evento, mas isso não acontece com todos. Acredito – muito – que os cientistas sociais, os jornalistas e advogados, assim como os demais profissionais, são capazes de criar formas mais interessantes de celebração da entrada no mundo universitário. Também tenho certeza que deixar de ser pintado de tinta e evitar a exposição ao ridículo irá fazer bem para todos. As amizades, também, não sentirão falta deste ritual um tanto tirânico. Está mais do que na hora de abandonarmos esta tradição vexatória.