quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Literatura - apenas - para as UPPs: da FLUPP para Cinco vezes Pacificação

O que seria uma Feira Literária Internacional das Unidades de Polícia Pacificadora (FLUPP)? Provavelmente, você recebeu algum e-mail, comentário, matéria ou anúncio desse evento na última semana. No início, sem me tocar sobre o significado da sigla FLUPP, achei interessante a proposta de difundir o hábito literário. Porém, depois de refletir, não encontrei nenhum sentido neste projeto: o que seria uma feira internacional das UPPs?

Como a ideia de promover a literatura pode ser tão restritiva a ponto de escancarar o limite no próprio nome? O livro, como um passaporte para a liberdade, que nos livra das correntes de fronteiras, não deveria ser relacionado com um evento que tem território demarcado. As palavras e autores não podem subir os morros pacificados e deixar os outros "em guerra" abandonados. Pelo visto, a mídia concorda com a proposta da FLUPP, pois fazia tempo que o livro, a matéria-prima tão esquecida, não recebia tanto espaço em jornais impressos e na TV. O evento ganhou espaço em todos os veículos, inclusive, em uma matéria sobre a próxima edição (precoce, não?). Sem dúvida, Ariano Suassuna, Ferreira Gullar e outras atrações merecem todo o espaço na imprensa, porém, não podemos ser ingênuos em acreditar que eles foram os protagonistas desta FLUPP. A polícia pacificadora, que gere esse modelo de paz que não compreendo, é quem fez a festa. As UPPs são um modelo de cidade-maquiagem que a mídia não só compra, como compartilha, curte e vende.

Mesmo para quem acredita que as Unidades de Polícia Pacificadora são capazes de garantir a segurança pública, qual o motivo de um evento literário ser restrito a apenas essas comunidades? As favelas "pacificadas" merecem ter acesso à literatura, assim como todas as outras favelas, ruas, bairros, cidades, estados... Literatura é porta aberta, queda das cercas, muros e limites. Literatura é guerra, é poesia, é amor, é dureza, é viagem. Difícil dizer o que é literatura. Muito mais fácil concluir o que ela - de fato - não representa e nunca representará: uma Unidade de Polícia Pacificadora. O livro não é polícia, ele é uma arma para a transgressão, para a loucura, encontro, desencontros, questionamento. O livro não é unidade, ele é conjunto de palavras, de perdição, de significados, de sentidos, angústias e incompreensões.

Depois de tanto procurar e não encontrar o sentido da FLUPP - aliás que sigla infeliz, assim como a proposta e o nome do evento -, me deparo com a notícia de que vai estrear no cinema o filme "5 vezes pacificação". Juro que demorei para tomar coragem e cuspir as palavras de crítica contra esta Feira Literária... agora, surge outra novidade que me faz tremer nas bases. Bom, posso dizer que, inicialmente, não pretendo assistir ao filme por ele me parecer absolutamente desinteressante e clichê. Porém, mais tarde, tenho certeza que farei questão de assistir e continuar a buscar sentido nesta "pacificação" desordenada. Como já dizia Caetano, "alguma coisa está fora da ordem". Ou esta mania chata de desconfiar e de criticar está ultrapassada ou esse papo de pacificação já está pra lá de Marrakesh.