sexta-feira, 31 de maio de 2013

O vermelho no chão

Tempo que arde
Na garganta
E nada cura.
Aquelas gotinhas milagrosas
Descem na boca seca
E não bombeiam o coração.


Tudo paralisado,
o quarto estático suporta
cada milímetro de dor.
Em cada fresta da cortina,
a luz teima em convidar
a moça para a rua.
Tudo em vão.

Sua marca no lençol,
Esburacando o colchão 
com o peso de seu corpo 
e – principalmente – sua mente.
Comprimidos por toda a parte
formam uma bela sincronia de cores
entre uma faca afiada,
um vermelho profundo,
que escorreu do 15º andar
e caiu estatelado no chão.

Sinto que Elena é parte de nós

Demorei pra ver Elena. Mas logo que vi, me apropriei de cada detalhe do filme. A busca por Elena faz parte de nós. Se ela é assim, como justifica Petra à amiga ao ver a irmã deitada em sua cama, toda a humanidade também é. Na sessão do cinema, cada um reconhece sua própria dor no quarto enclausurado, escuro, com uma fumaça de incerteza que ronda nossas mentes na busca incessante pela felicidade.

Enquanto alguns não se interessam em dançar com a lua, os que desejam se aprofundar na noite são obrigados a lidar com a inevitável solidão. Elena tentou. Fez nascer estrela na escuridão, marcou a vida de muitos, transferiu seu amor pela arte para uma outra geração. Não diria que ela fracassou, mas quem sou eu pra opinar, já que nunca a conheci pessoalmente. Brilhou o quanto pôde, se perdeu inúmeras vezes, enlouqueceu, o que é sinal de sanidade em uma sociedade cada vez mais superficial.

A arte que poderia curar a levou para outra dimensão. Enquanto isso, Elena deixou sua irmã encenando a morte das duas, transformando sua dor em um filme extremamente sensível, delicado e triste. Sim, triste, assim como a humanidade. Pareceu tudo calculado. A atriz já tinha previsto tudo antes de partir, afinal, ela tinha o dom de interpretar. Perfeccionista, nunca iria embora sem planejar o ato final do espetáculo. Ensaiou bastante cada ação. No fim, buscou a lua. Como sempre prevenida, deixou uma estrela que, mesmo no escuro da mágoa, transformou toda nostalgia em uma sublime obra de arte.


domingo, 24 de março de 2013

Respiração

Menina,
não pense
em palavras.

 Respire
 fundo
 não ligue
 pra existência
 expira imagens superficiais ...

 Tenha calma,
 no ritmo,
 relaxamento,
 diminuindo...

 não pensa,
 esqueça da vida
 se não ela te leva
 e não te devolve jamais

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Carioca com alma pernambucana

Quem nasce em terra tupiniquim carrega a sina de ter a alma pernambucana.  Ô, sorte! O estado que deu asas para a sanfona de Luiz Gonzaga e criou Chico Science, Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Capiba, Naná Vasconcellos, Siba, Karina Buhr, Lenine, Lia de Itamaracá, Antônio Nóbrega, Lula Queiroga, Otto, entre muitos outros, é a cor do nosso país.

Quando fala-se de cinema nacional, também é impossível não lembrar de Marcelo Assis, Heitor Dhalia, Marcelo Gomes, Lírio Ferreira, Guel Arraes, João Falcão... todos pernambucanos. No carnaval, por mais que o Rio de Janeiro tenha seu valor inquestionável de sambas e marchas, Recife, Olinda e a Zona da Mata nos trazem os maracatus, os frevos. O agreste do estado foi berço do baião e do xaxado.

Parece que entre as ladeiras de Ó, linda, os canais da Veneza brasileira e o Marco Zero existe uma fábrica de talentos. Os prédios arranha-céus, o sotaque carregado, povo que diz o que de fato pensa, abre as portas da sua casa e tem mania de criar. No mar de Boa Viagem muita gente da melhor qualidade se banhou. No sertão de Pernambuco, muitos outros maravilhosos brasileiros já lamentaram a falta de chuva e colocaram a dor em forma de melodia em uma velha sanfona.

Para afastar o calor, nada melhor do que se banhar na Ilha de Itamaracá e, depois, unir as mãos na ciranda de Lia. As ondas vêm e vão, o sol cai, a magia continua. Os mangues também são artistas. O cinema de lá vai mais fundo na alma, não vê apenas o conflito óbvio, a desigualdade: as telas pernambucanas refletem o ser humano em seu estado mais sombrio, sólido e fluído; os questionamentos, a dor, a (des)construção.

Enquanto o carnaval se aproxima, e o sonho de cruzar os Quatro Cantos aumenta, a certidão carioca fica cada vez mais de lado e doida para partir rumo ao nordeste. Dá vontade de sair gritando como bom fã do Original Olinda Style: "é de fazer chorar, quando o dia amanhece e obriga o frevo acabar"... Porém, ao cair na real, lembro-me que a distância entre as capitais é de quase 2 mil quilômetros. Por mais que a paixão pela arte una Rio e Recife, a proporção continental do nosso país os separa. Desta forma, sem passagem, sem moradia, resta-me cantarolar no pré-carnaval: "quando eu me lembro que o Recife tá longe, a saudade é tão grande, que eu até me embaraço".

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Le prénom / Qual é o nome do bebê?


Uma comédia sobre os laços familiares cai muito bem, ainda mais quando o filme explora os momentos mais simples das relações, como um encontro casual, e o desnuda em complexas camadas, sem perder a leveza - jamais!

A interação humana, os relacionamentos, até mesmo entre os mais próximos, estão sempre fadados ao fracasso. Não ao fracasso eterno, mas, sim, aos conflitos diários, às contradições, aos desgastes. Cada um tem o poder de interpretar a voz do outro da maneira que bem entender, a partir de suas singularidades. Assim, qualquer palavra, frase, brincadeira pode soar muito mal ao ouvido de alguns.

Desta maneira, uma simples piada sobre o nome do filho e o encontro para anunciar essa escolha acaba abrindo as cortinas para a desordem que há em toda a família, porém, que é - quase sempre - deixada de lado, tornando-se obscura. Um filme despretensioso, que se passa entre as paredes de um apartamento familiar explora o interior de cada um de nós.

É impossível não nos identificar com as dificuldades, incompreensões e falta de diálogo das relações entre os personagens. O ambiente familiar acentua - através da proximidade dos laços sanguíneos e uma certa intimidade entre os membros da linhagem - os defeitos dos homens. Na intimidade somos tão dramáticos, fechados em nosso próprio mundo, que mal conseguimos enxergar nossos irmãos. Assim, através do excesso, da discussão, do descontrole e do drama, "Le prénom" escancara a comédia da convivência humana. Afinal, problemas e diferenças todos nós temos, basta procurar a melhor forma de encarar as disparidades: o filme sugere de forma interessante o riso como saída.