sexta-feira, 24 de outubro de 2014

O garoto

Desde pequeno não aprendera a dividir as atenções. Talvez por sofrer a ausência do olhar fraterno dos entes mais próximos, havia criado a estratégia de não abrir mão, jamais, do seu espaço, opinião, presença e voz. Então, por mais que se escondesse em uma casca nos momentos convenientes, na vida, em geral, sempre buscava os holofotes.

Em todos os lugares, era o primeiro a gesticular, a falar alto, a forçar intimidade com pessoas que sequer sabiam o seu nome. Se percebesse que era possível tirar proveito de alguma situação, projetava a fala de forma doce e envolvente, como uma criança em busca de doce, construindo um personagem simpático, dedicado e extremamente dinâmico.

No entanto, quando não notava necessidade de estar em evidência, pois o local não representaria nenhuma vantagem, fugia de todos. Não importava se estava acompanhado, se a ocasião pedia uma certa destreza: ele era movido pelo senso de oportunidade. E a lei da oferta servia: se não havia o que ganhar, não havia motivos para falar, sair da bolha, conversar de igual para igual.

Alguns olhavam para o garoto e o consideravam tímido, afinal, quando o seu humor não estava em um dia privilegiado, era difícil arrancar até mesmo um boa noite daqueles lábios. Porém, quem o observava sabia que ele escolhia a dedo com quem deveria se abrir. Nada de falar de problemas, defeitos, questões pessoais. No máximo, esboçar um sorriso, expor suas qualidades, na constante tentativa de construir um papel interessante, com referências culturais antenadas, conhecimentos e bom humor. Passava o tempo contando vantagens e, logo, o papo cessava. Mesmo assim, não entendia o motivo da perda de assunto.

Sozinho, não conseguia nem se olhar no espelho. As camadas de vaidade, de orgulho e prepotência o afastavam de seus sentimentos verdadeiros. Por mais que tentasse andar sempre em grupo, jamais havia sido uma companhia completa, generosa. As concessões feitas eram sempre cobradas com garantia, juros e todos os direitos extras. Conseguia atrair algumas mulheres, ter casos, no entanto, nenhuma havia tocado de fato o seu coração vaidoso e solitário.

Após os encontros, perdia-se na cama ao lado de um ser indisposto a se submeter ao seu estilo de vida tão fechado. Assim, a solução era sair de casa, esquecer o apartamento enclausurado, com as janelas trancadas, a pia lotada de louça acumulada e o chão branco manchado pelos sapatos que utiliza diariamente para fugir de sua rotina e cair na rua. Não importa o local, deve estar sempre cercado de gente, muita gente, bebidas em demasia, barulho, música, tudo que evitasse o vazio e um encontro a sós. Para ele, era impossível aguentar o silêncio da sua própria imagem. Na multidão disfarçava sua solidão em forma de vaidade. Não percebia, mas entrava num labirinto, onde estava predestinado a jamais se enxergar..