terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Perda

Chorava feito uma criança recém-desmamada, sem nenhuma estrutura, sem nenhum pudor em exibir-se num buraco sem fundo. As lágrimas pareciam já secas, mas as expressões dramáticas não paravam de evoluir. Quem passava por perto ficava constrangido em interromper aquele encontro solitário e preciso com a tristeza. Porém, o barulho daquele homem entregue ao pranto fez com que uma mulher parasse tudo, numa tentativa de ajudar o desconhecido.

Não fazia ideia de quantos anos aquele garoto ou homem teria. Aquela posição curvada, impotente, transformava-o em um adolescente. No entanto, as marcas e a barba no rosto entregavam uma certa experiência de vida. Por que chorava copiosamente, ali, no meio da rua, na frente de todos? Ele mal conseguia respirar e, menos ainda, pronunciar algumas palavras. Alguém morreu?, perguntou a mulher, com medo de ouvir uma história trágica de quem havia perdido toda a sua família em algum acidente. Nessas horas, só conseguia pensar no pior.

Ele pausou o choro e tomou ar, negando a morte de alguém próximo, mas alegando a sua própria morte. "Ela me deixou. Não tenho como viver sem a única pessoa que fui capaz de amar durante toda a minha vida. Jamais a esquecerei, sinto-me morto. Não aguento mais um dia desta ausência latente". Ouvir aquele apelo gerou um alívio na senhora, que mirabolava doenças incuráveis, tragédias, entre outras coisas que o tempo nem sempre cura. Ao tratar-se de desilusão amorosa, ela reviu um filme de seus 54 anos de amores e desamores entregues ao vento.

Não gostaria de contar suas próprias experiências, pois poderia parecer pedante, comparando as formas como cada um lida com a dor. Assim, em silêncio, resolveu abraçar o homem, com toda a força de quem criara sozinha três filhos para caírem no mundo, e não o largou mais. Foram minutos daquele abraço forte, marcando presença, até que o choro cessou. "Você já foi abandonada?", perguntou o rapaz. Sem incomodar-se com o tom invasivo, a mulher mal teve tempo de refletir quando as palavras interromperam seu lábios fechados: "E como. A vida é abandono, querido. Ou você abandona ou você é abandonado, uma dinâmica cruel e realista. Mas, digo sempre aos meus filhos, aproveite as perdas pronunciáveis. O que mais dói é o que a vida tira e a gente nem sabe colocar nome". Perdas sem nome, desaparecimentos que não são mortes, fugas incompreensíveis e dores na alma. Sim, a vida é capaz de nos tirar coisas ainda mais dolorosas.